segunda-feira, 13 de junho de 2011

Maratona de Manteigas, sem dúvidas a prova mais dura que fiz!!

573 participantes entre federados e não federados, 304 chegaram ao fim e eu… fui um deles!!!
Valeu a pena?
Apesar de tudo valeu bem a pena!!

Descrição da prova
86,5kms para se fazer, e segundo a organização com 2600mts de acumulado (no gpsies dá 4484mts de acumulado!!), mas o mais certo parece que é 2900 (Track Master). Ou seja, em termos de coisas parecidas que fiz poderemos dizer que é semelhante a um passeio que fiz à serra da Freita com o meu amigo Rui Doutor(4600ac com 130kms/ Gpsies).
Nesta prova, o atleta (não federado) poderia escolher durante o percurso entre fazer a meia-maratona (42kms) ou a maratona (86,5kms).
O meu objectivo sempre foi o de fazer a maratona por mais difícil que fosse e no final dos 40kms já tinha argumentos para acabar por ali. Aliás, esta foi uma prova em que desistir seria o mais fácil, pois argumentos todos teriam tais como: calor insuportável, desidratação, trajecto muito duro, subidas muito longas, dores de costas, dores de braços, etc, etc, etc..
Como estava a dizer, os primeiros 40 kms foram muito duros mas interessantes. Sempre a subir a partir do km7 até ao 32. Chegámos aos 1420 mts de altitude!! Fantástico! Daí sempre a descer com muita técnica, sem grandes velocidades. A meio da descida foi só pedra, tipo caminhos de cabras. Os braços/pulsos doíam muito, mas era uma questão de tempo, pois mais uns minutos e estávamos lá em baixo. Antes de chegar ao alcatrão um single track todo maluco com uma inclinação doida e cheia de areia. Medo(raro)! Arrisquei, tive um susto e acabei por fazer uma parte mais complicada a pé! Afinal ainda tinha muito km pela frente.
Na separação já ía um pouco exausto mas tinha recuperado durante os cerca de 500mts em alcatrão, parei um pouco junto dos meus filhos para dizer que estava tudo bem e que iria seguir mesmo para a maratona! 1 km depois haveria a zona de abastecimento e aí preparei-me a sério para o resto (água, bananas, etc) pois sentia que iria ser difícil e já me tinham confirmado na véspera. Ainda deu para conversar com o meu amigo Bruno Torrão que estava a dar apoio à sua equipa. Disse-me que um deles já tinha desistido!
E lá fui eu a caminho da segunda parte da maratona… sozinho!! Ninguém atrás e ninguém à frente. Até ao final da prova ninguém passou por mim, a não ser ao contrário, pois em plena subida +/- ao km 53 vejo 3 atletas federados (dorsais diferentes) a voltarem para trás. Passado 1 km vejo 2 parados e achando estranho pergunto o que se passava e diz-me um deles: “Nada de especial, eu é que não estou para isto, não matei ninguém e por isso vou-me embora e curtir a descida”. Impressionante, atletas de equipas onde há apoios para tudo!!! E onde fica a Bravura??  Será sempre mais fácil desistir do que acabar com um tempo exagerado, como o meu (7H40m). De certeza que sentiriam vergonha e como já disse atrás, seria muito mais fácil encontrar uma desculpa para não a acabar!!

1ª subida: dos 7kms aos 17kms, dos 650mts de altitude aos 1250. 10kms a subir 600mts. Comparando com sernada, para quem conhece, poderemos dizer que tem a mesma distância do que asubida de Valmaior até ao Geodésico mas com mais 200mts de altura(50%)!
Dos 17 aos 20 baixa 150mts para depois voltarmos a subir até aos 1425 durante 5kms (325mts!). De seguida andamos lá por cima durante cerca de 7 kms para depois começarmos a tal descida, que de certeza ainda hoje haverá pessoal a queixar-se dos braços, até à separação!
Depois da separação (km 42) temos uns pequenos sobe e desce que deu para recuperar e preparar o que lá vinha.
2ªsubida:cerca de 8kms a subir 450mts (muito semelhante à tal subida do Geodésico pelo Gavião!), dos 570 aos 1025 e aí, ao km 56 deu para curtir a descida. Uma boa descida até ao km62 (6kms, foi rápido).
3ªsubida: E aí estava ela, destino seria a Poço do Inferno (local assombrosamente bonito)!!! Dos 62kms até aos 78kms, 16kms a subir 800mts!!! Equivalente a subir 2x ao Geodésico por Valmaior!!!! Impressionante. Aqui o caminho era muito parecido aos caminhos de sernada (estradões) mas com muito cascalho!

Malditas Cãibras
Comecei a fazer BTT há pouco mais de um ano e das cãibras só me lembro de algumas ao principio. Mas comecei a tomar magnésio e nunca, mas nunca mais tive problemas de cãibras. Fiz mais de 20 provas, alguns milhares de kms e de mts de acumulado e não havia sinais deste bicharoco… até ontem!! Impressionante, mesmo a tomar magnésio (já não tanto como há um mês atrás)!! Talvez a elevada desidratação (apesar dos mais de 6 litros de água que bebi) fosse uma das causas, não sei.
Na primeira descida já me tinha dado uma ligeira cãibra no gémeo esquerdo, fruto da contracção forçada ao descer. Aliás, todos os músculos viriam a sofrer possivelmente devido também a estas contracções enormes. Na 2ª subida aparece o maior sinal alarmante, cãibra no posterior esquerdo!! Parei e controlei-a, mas fiquei nervoso pois queria fazer o resto da prova sem problemas e o mais difícil estava para vir (3ª subida). Mas comecei a ter muitos sinais de cãibras inclusivamente na perna direita cada vez que fazia um pouco de esforço a mais. Tive que reduzir a força e aumentar a cadência. Depois dos 56kms começamos a descer e aí sim, foi uma descida muito interessante até ao km 62 aonde estava a zona de abastecimento4 e onde a equipa do Galitos colocou um pouco de óleo na corrente (Obrigado Galitos). Disse-lhes que tinha visto um atleta da equipa deles que estava a voltar para trás e eles disseram-me que já havia outros que tinham feito, que seguiram dali em estrada para Manteigas! Mas porque razão estavam atletas federados a desistir??!! Não conseguia entender muito bem. Sei que eu estava todo roto mas eles são pró! Pelo caminho ía encontrando no chão muitas embalagens de magnésio, l-carnitine, géis, cascas de banana, etc.. Era o rasto dos que iam à minha frente. Nesse posto de abastecimento fui aconselhado a desistir visto estar com muitas cãibras, só que eles não me conheciam bem. Pensei: sei que vou sofrer muito mas vou chegar ao fim!!
A terceira subida até começou bem com cerca de 1 km em alcatrão (pensei que seria assim até lá cima) e onde pude colocar um ritmo que não me prejudicasse mais a nível muscular. Mas depois foi mato e subida atrás de subida e foi nesta 3ª subida que senti todos os músculos a contraírem!! Cãibra atrás de cãimbra. Havia largos períodos em que me sentia bem graças a um trajecto mais regular e uma cadência maior para oxigenar os músculos, mas assim que aparecia um relevo diferente, por pequeno que fosse, lá estavam os músculos a queixarem-se. Posso assegurar, sem querer com isto apresentar uma desculpa, que sem cãibras provavelmente teria feito em pouco menos de 7h e gozado um pouco mais. Mas a dureza no seu geral implicou uma diminuição na minha resposta a nivel de capacidade fisica. Penso estar preparado mas não estou!! Na vinda para Aveiro, até cãimbras nas mãos tinha e quando passei pela Eólica (Sernada) olhei e disse: Isto até há pouco tempo era enorme!!... Não passa de um montesinho!!Ou seja, as cargas de treino que normalmente fazemos não são sufecientes, por mais que façamos as subidas de Sernada!! É preciso mais do que isso para este tipo de provas. E se repararmos nas classificações vemos que o pessoal classificado está em tudo o que é grandes provas nacionais!! Mas pelo menos uma coisa eu e mais alguns temos: capacidade de sofrimento!!!
Explicação "cientifica" para as minhas cãibras: Hoje, 2 dias depois, já tenho a resposta para o problema inesperado que foram as cãimbras. Foi nada mais do que a... altitude!! Em conversa com o meu amigo Daniel Moura, que já anda nisto há uns aninhos, disse que em altas altitudes haverá menos oxigenação no sangue o que implicará um aumento de possibilidade de cãibras. E como eu não tenho treinado em alturas acima dos 1000mts, é normal que aconteça!!! É por isso que um alto atleta tem que também estar preparado para estas situações.

Pessoal que fui passando
Foi principalmente nesta ultima subida que encontrei aquilo que nunca tinha visto e que pensaria nunca ver!! Desesperos, atrás de desesperos!!
Um rapaz a andar ao lado da bicicleta numa pequena recta. Pergunto-lhe se havia algum problema de maior e ele respondeu-me: “Sim, falta de vontade, nem para rolar me apetece”.
E lá ía eu no meu “rec-rec” quando encontro mais 2 a caminharem mas desta vez numa pequena subida, resposta deles: “vamos devagar…”
Passado mais um bocadinho encontro um deitado junto à bicicleta, mas à sombra. Admito que fiquei um pouco assustado pois pensei que tivesse caído e desmaiado. Perguntei se estava tudo bem e disse-me que sim, que estava só a descansar. Mas respondeu-me com as mãos na cabeça como se estivesse a chorar. Perguntei-lhe se precisava que fizesse alguma coisa e ele disse que não era necessário, que só precisava mesmo era de descansar um bocadinho.
No chão continuava um rasto de restos de produtos próprios (ou não) para a competição.
Pouco depois da última zona de abastecimento (km73) e já no Poço do Inferno, encontrei mais um atleta a subir a pé. Estava com muitas dores nas costas. Fui um pouco a conversar com ele (a pé andava ao meu ritmo de bicicleta). Eu avançava mais um pouco mas depois tinha que parar por causa das cãibras e lá estava ele outra vez. Falou-me que esta estava a ser muito mais dura do que a de Leiria (Maratona do Centro). Fomos cerca de 3 kms juntos e ele só dizia que faltava muito pouco para a última descida e que aí já daria para descansar. Entretanto eu fui embora, aproveitando um percurso a subir mas regular. Depois, finalmente , a descida!!!

A última descida!
Descida ou queda??!!... Isto não se faz a quem sofreu o que sofreu até então!! Sinceramente acho que foi um atentado por parte desta organização. Passo a explicar: descida de 4kms com desnível de 750mts!! Comparado com sernada poderemos dizer que será fazer a distância da descida do geodésico pelas paredes mas com o dobro da altura!!! Uauuuu…. Espetacular, não é?? NÃO!!... seria porreiro se não fosse o percurso como foi. Single track a rasgar a serra até cá abaixo, mas só com pedra! Mas pedra mesmo. Horrível, os braços doíam, os pulsos estavam rebentados e as pernas já nem as sentia, só mesmo as contracções dos músculos. Parei cerca de 10 vezes, umas por medo, outras por não haver alternativas e outras para descansar um pouco. Eu só desejava uma pequena subida para poder descansar, dá para acreditar??!!! Não sei se todos desceram sem problemas mas acredito que nem os melhores (hoje, 2 dias depois de ter escrito isto, soube que é verdade que os melhores também desmontaram!)!! Na minha opinião é uma mancha negra (negríssima) nesta prova! Para quem anda para os lados de Sernada, posso dizer, e acreditem no que digo, que descer o Ladário é descer em tapete de veludo!!!
Faço aqui uma confissão: quando chego ao alcatrão faltando 1km para a meta vieram-me as lágrimas aos olhos! As pessoas aplaudiam e de facto ficará na minha memória estes momentos!! Foi uma mistura de vários sentimentos: Alegria por ter feito os 86kms; por todo o sofrimento que passei; por tudo o que vi durante o percurso (sofrimento de vários atletas); por saber que  muitos tinham desistido e eu não; pelos meus filhos que lhes tinha dito que entre 5 a 6 horas que chegaria; por raiva (raiva mesmo) pela última descida. Obviamente que a fadiga não era só física, era também cerebral.
Acabei com sofrimento e sem um sorriso nos lábios…! Mas o meu compromisso com Manteigas foi cumprido!!
Nota: depois de ter acabado esperei para ver outros atletas a chegar. Chegou uma rapariga e mais dois antes do “limpa-trilhos”. O tal que iria aproveitar a descida para descansar não chegou! Calculo que tenha vindo com alguns dos vários bombeiros que estavam ao longo dessa descida. Não era descida para descansar!! A 4kms/h era descer a topo!!!

Os números
22º lugar em Veteranos A (dos 30 aos 39anos) não federados, com 7h40m. Atrás de mim só mais 2!!... e mais de 2h30 para o 1º!! São verdadeiros sobre-humanos!!
Outros números, o que faz de mim um verdadeiro Bravo:
370 federados masculinos no inicio, chegaram 155 (215 desistiram!!!)
37 federadas femininas no inicio, chegaram 11 (26 desistiram)
160 Não federados masculinos no inicio, 91 ficaram na meia-maratona, 42 na maratona (27 desistiram)
6 Não federadas femininas no inicio, 5 ficaram na meia-maratona (1 desistiu)
Desistências totais: 269!!... 47%.
Lembro mais uma vez que a opção dos não federados pela maratona ou pela meia poderia ser tomada no momento da separação! Provavelmente houve alguns, e eu conheço pelo menos 1, que queriam fazer a maratona e acabaram na meia!

Logistica
Fui no dia anterior (sábado) e consegui alugar um quarto numa casa espectacular, com uma senhora extremamente simpática onde nos colocou tudo do melhor à nossa disposição. Tivemos o chamado pequeno-almoço à Manteigas, onde icluia presunto, queijo da serra, pão caseiro, 3 pães-de-ló, sumo, café, leite, etc… e o sitio foi o melhor, precisamente na separação dos percursos a 200mts da meta!!! Acabei a prova e fui lá tomar banho. Excelente!!

Conclusão
Duríssima, paisagens deslumbrantes principalmente lá em cima com vistas magnificas, mas provavelmente uma prova que é capaz de desmoralizar algum  pessoal do BTT ! Para mim no BTT deve-se sofrer mas sempre com um sorriso nos lábios e esta foi dificil de manter o sorriso em alguns momentos!!Provavelmente só entenderá o que aqui está escrito quem realmente lá esteve, mas quem já esteve em Manteigas e olhar em redor pode também ter uma ideia.
Fica a experiência e a história, no final de contas foi... extraordionário!!!
Agora... descansar!

Track no Gpsies